thymus praecox no Fujaco |
O topónimo Fujaco
A inexistência na idade
média, de terrenos para cultivo nos locais já ocupados e de bom maneio
agrícola. A situação de pobreza, sem campos, obrigou criaturas fugirem para
locais de terra de ninguém (baldios). Aqui seria possível sobreviver, numa
época, onde a base da existência era a agricultura e pastorícia. Aí, os
rebanhos teriam alimento nas encostas da imensa serra, sem que algum
proprietário os ameaçasse em alguma guerrilha ou disputa, pela posse de terras,
sobretudo nos vales produtivos. Foram empurrados para lugares que outros não
queriam, ou por disporem de terrenos, ou ainda pelas imensas dificuldades de criar
solos aráveis. Estes locais nascem da angústia pela sobrevivência. O esforço de
transformar o local do Fujaco em solos aráveis foi titânico, surpreende ainda
hoje ver os socalcos de pequeniníssima dimensão onde o milho era cultivado,
base da alimentação para pessoas e animais. Socalcos a sul da escola, até ao
Loureiro. Em todas as direções e encostas, permanecem socalcos a fazer lembrar
um mini Tibete, hoje ao abandono. Mais surpreendente ainda foi a construção de
sistema de irrigação, na utilização da água dos rios e nascentes, que percorriam
quilómetros por levadas com troços em precipícios, abertas na rocha. Em algumas
levadas, corria a água ininterruptamente, para ser utilizada no consumo
doméstico. Foi sem dúvida a presença de nascentes e ribeiras, a falta de terras
para cultivo nos vales mais baixos, a falta de espaços para pastagem, e a
matéria combustível para cozinhar e aquecer, que determinou a fixação de
pessoas. A etimologia Fujaco, sugere um local para onde ‘fujam’. A grafia e a
fonética pouco alteraram desde a idade média. A angústia dos que nada tinham. Na
expressão ‘Fuja com o António’, no léxico popular seria: ‘Fuja
co toino’. A figura Toino (António), um dos angustiados, serviu de
exemplo no mesmo destino de outros. E eis que o topónimo Fujaco = (Fuja+co) um
local para onde “fujam”.
Habitações
Na idade média, as casas eram muito pequenas, esburacadas, muitas sem divisões, sendo o lugar de cozinhar em chafurdo, servindo o degrau como banco, para cozinhar, comer, aquecer, estar em família. Muito modestas. Não havia chaminé. O fumo conservava os troncos da cobertura e afastava as osgas e demais bicharada. Ainda hoje existem exemplares dessas habitações. O xisto foi arrancado no próprio lugar onde iria nascer a habitação, e de menor aptidão agrícola, quase sempre encostadas umas nas outras. Com o passar dos anos, foram aglomerando e com maior volumetria. Nalguns pontos da serra, sinalizados, havia os louseiros, onde as lousas de cobertura eram extraídas. Locais ainda conhecidos dos atuais habitantes mas que não ousam ir para nos informar. A insegurança, a idade, o mau estado dos acessos, são os argumentos referidos.
Atividades e cultura
O rebanho comunitário
de milhar e meio de cabeças de gado, as desfolhadas durante a noite, a feitura
de azeite no lagar junto ao ribeiro, que ainda preserva o alvará de
funcionamento, o moer do milho nos moinhos hidráulicos, o coser da broa, a
produção de mel. Era necessário sobreviver, alimentando seus habitantes.
Foto cedida por Isabel Martins |
A aldeia do Fujaco manteve uma coexistência curiosa de entreajuda coletiva, desde a construção das casas, dos socalcos, da pastorícia, dos sistemas de irrigação e nos trabalhos agrícolas. Também se trabalhava na cestaria, lembrando o seu maior cesteiro, Tio Delmiro. No fabrico e arranjo de tamancos como o Tio Domingos e na tecelagem como a Sra Maria ?. Uma aldeia autossuficiente no passado, até meados do século XX.
A tia Belandina, era a popular rezadeira do Fujaco. A reza das doze ‘palavras’ ditas e retornadas, e a intensão:
Pela Santa Casa de
Jerusalém
Por onde Jesus
morreu, ámen.
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelas duas tábuas de
Moisés
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelas três pessoas
da Santíssima Trindade
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelos primeiros quatro
evangelistas
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelas cinco chagas
de Nosso Senhor Jesus Cristo
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelos seis
primeiros evangelistas
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelos sete
sacramentos
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelos oito
cordientes ??
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelos nove meses
que Jesus andou dentro do ventre de sua mãe
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelos dez
mandamentos
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelas onze mil
virgens
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Pelos doze apóstolos
Custódio amigo
meu,
Custódio amigo teu não
Já que dissemos as
doze, vamos dizer as treze
Treze raios leva ao
sol, treze raios leva a lua, arrebenta diabo maldito, que esta alma não é tua.
(obrigado a tia Quitas por conseguir recordar esta súplica)
O desenvolvimento dos
caminhos-de-ferro em Portugal, no século XIX, deu ao Fujaco um crescimento distinto.
A procura de carvão vegetal para uso nas cozinhas e nos comboios a vapor, ditou
a fixação de mais pessoas, na procura da matoeira e torga, e feitura do carvão
e seu envio a ombros e/ou com animais até Sul e daí para seus destinos.
Poucas décadas depois,
surgem as grandes guerras. Ao Fujaco chegam outros habitantes, desta vez para o
minério, nas minas do Loureiro, Goirim, Regoufe e um pouco por toda a serra.
Este trabalho deixou marcas, o Manuel da Sara que um dia ficou debaixo de uma
rocha mas que escapou com vida, pela ajuda dos colegas, depois de ficar horas
sob rochas.
Graças ao minério, quer
no Fujaco quer aldeias envolventes, a demografia foi exponencial.
Perante tal cenário, e findada
a guerra em 1945, foi construída no ano de 1950 a escola primária. No primeiro
ano de funcionamento era frequentada por 46 alunos. Nessa época não existia
estrada de acesso ao Fujaco, apenas acesso pedonal. Ao Fujaco chegavam também
alunos apeados das aldeias ao redor (Bodial, Massagoso, Loureiro, Valverde,
entre outros lugares).
Os materiais utilizados
na construção da escola, telhas, cimento, salão (espécie de barro usado na
época) portas e janelas, e outros, foram transportados aos ombros e na cabeça desde
a Aldeia de Sul. Por cada carga, recebiam meio escudo (50 centavos). Recordo
que na transição para o euro, cinquenta anos depois, em 2002, eram necessários
mais de 200 escudos na conversão de um euro.
Um episódio escolar,
relatado por Manuel Duarte:
A
professora, (regente) vinha a pé da aldeia de Sul, onde morava. Certo dia, o
Manel, por uma desavença, foi castigado pela regente, com a régua. No entanto,
no compasso, retira a mão, e eis que a régua vai com alguma intensidade, ao
joelho da regente. Manel não perdeu tempo, fugiu, abandonando definitivamente a
escola, a poucos dias de completar a quarta classe.
Actuais habitantes
ainda se lembram da roda-viva da aldeia, dos bailaricos, dos contos, dos
encontros amorosos na noite escura, na subida pelas janelas na socapa, para meu
amor ver e que nem sempre corria da melhor feição, ou porque alguém desvendou,
ou porque tombavam da escada.
Cantigas da perecida
Palmira Pagalhão sobre a lenda da Silvana, uma de sete irmãs, a jovem mulher de
uma lindeza imensa, por quem seu pai viúvo e perturbado se apaixonou, e que
morreu desgostoso:
Mandei fazer um convento
Dos mais altos
que havia
P´ra meter
Silvana dentro
Lá, rá, lá, rá
Sete anos e um
dia
A Silvana foi ‘par’
dentro
Muito triste,
apaixonada
E encontrou suas
manas
Lá, rá, lá, rá
A bordar na
almofada
Deus de saúde a
minhas manas
A mais á Virgem Sagrada
Por amor de Deus
le peço
Lá, rá, lá, rá
Me de um jarro ‘d’auga’
Dava-te ‘auga’ ó
Silvana
Mas o pai deixou
escrito
Lá, rá, lá, rá
Na ponta da
nossa espada
E a primeira que
desse ‘auga’
Lá, rá, lá, rá
Tinha a vida
tirada
A Silvana foi ‘par’
dentro
Muito triste
apaixonada
E encontrou sua
mãe
Lá, rá, lá, rá
A ‘barreri’ uma
escada
Deus dé saúde a
minha mãe
A mais Virgem
Sagrada
Por amor de Deus
‘le’ peço
Lá, rá, lá, rá
Que me dé um
jarro ‘d’auga’
Dava-te ‘auga’ ó
Silvana
Ó Silvana mal
fadada
Mais por ver de
ti Silvana
Lá, rá, lá, rá
Vivo eu mal
casada
A Silvana foi ‘par’
dentro
Muito triste,
apaixonada
Encontrou seu
paizinho
Lá, rá, lá, rá
Encostadinho á
escada
Deus dé saúde a ‘mé’
paizinho
A mais á virgem
sagrada
Por amor de Deus
‘le’ peço
Lá, rá, lá, rá
Que me ‘dé’ um
jarro ‘d’áuga’
Pegue lá minha
mão direita
E a esquerda ‘s’a’
quiser
Que eu sou sua
filha
Lá, rá, lá, rá
E não sou sua
mulher
Venham os jarros
d’ouro
Que os de prata
já cá estão
P’ra dar ‘auga’
á silvaninha
Lá, rá, lá, rá
Que ela já deu a
mão
Silvaninha não
quer ‘auga’
Que está no céu
a ‘buber’
Ai a alma de meu
pai
Lá, rá, lá, rá
No inferno vai
morrer
Muitas
estrofes foram perdidas, não havendo quaisquer registos, denotando-se alguma
desordem, na estância acima.
Nas fontes cimeiras brotava
água férrea, no passado, muita usada pelos habitantes para curar maleitas.
Léxico que perdurou até
aos anos cinquenta, ou até mais tarde, muito usual no Fujaco:
Barulhice = discussão
Mourear = trabalhar sem
descanso
Auga ferra = Água
curativa da nascente cimeira
Corriqueira =
bisbilhoteira
Empesperrado = perplexo
Engemino = teste sobre
a preparação para a primeira comunhão
Fragas = maciços
rochosos
Cabresto = conserto ou
remendo em tamanco
Fonte cansada = fonte
que secou
Acessos
Só no ano de 1999 ou
ano 2000, o Fujaco teve acesso para viaturas em forma de estradão.
A electricidade no Fujaco é muito recente e poucos anos antes do estradão de acesso.
A chegada da eletricidade ao Fujaco, o primeiro dia (foto cedida por Isabel Martins) |
A atual Capela de Nossa Senhora dos Remédios foi inaugurada no ano de 1980. A anterior capela localizava-se no meio do casario. Supõe-se que a imagem da padroeira foi oferecida por um benemérito de Nelas, quando o Fujaco ainda não tinha capela, tendo sido colocada na igreja da freguesia de Sul, aguardando a construção da primeira capela do Fujaco, para onde foi em procissão.
Na procura de melhores
condições de vida, ocorre o êxodo das populações
para diferentes destinos.
O descuido
das entidades em investimentos estruturantes, marcou isolamento dum lugar com
potencial turístico, ambiental, económico, paisagístico, arquitectónico,
desportivo e até histórico, e está a agonizar a aldeia.
Abate ver
os moinhos, o lagar de azeite, os canastros, as casas, em ruínas, a arquitetura
adulterada, onde o xisto deveria prevalecer, até a capela e a escola ignoraram
o xisto.
Mais
triste ainda é constatar a falta do seu melhor património, a população. Em
cinco décadas, perdeu mais de 90% das suas gentes, sendo que os residentes contam
apenas 14 habitantes no ano de 2 024, e com idades maduras.
Urge refletir
o nosso Fujaco. São sobejamente conhecidas as aldeias abandonadas em redor,
Loureiro, Massagoso, Valverde, Goirim, Pego, Bodial, Drave, entre outras.
O Fujaco
e zona envolvente contribuíram no desígnio coletivo da nação, evidentemente á
sua dimensão. Noutras épocas os produtos agrícolas e animais para consumo. O
carvão, os minérios e recentemente energia através das eólicas. Tem mais para
dar.
Valorizar
o latente turístico. Dispõe já de alojamentos locais, num contexto de soberba
paisagem, biodiversidade, geomorfologia, arquitetura e recursos dulçaquícolas,
entre outros.
Biodiversidade
Eis algumas espécies que vou observando no nosso Fujaco:
Erva das azeitonas (Clinopodium nepeta) pessoalmente uso esta espécie na conserva de azeitona e na feitura de delicioso chá. É ainda utilizada em perfumes e na cosmética.
Erva das azeitonas (foto de 20 Outubro de 2024) |
Tortulho (Macrolepiota procera)
Espécie micológica de ótima comestibilidade (foto de 20 Outubro de 2024) |
Acessos á
internet. Via alargada á aldeia; rede de percursos pedestres homologados. Circuitos
desportivos de montanha. Alcatroamento do estradão da antiga escola para a
serra, estimulando visitas circulares de viatura, porque nem todos podem
caminhar; construção de praia fluvial e zona de lazer envolvente, no local onde
já existe estrutura de betão de outrora, de sistema de regadio. Como exemplo, elegia
a praia de Cardigos, a Foz do Cobrão, Foz do Égua, Benfeita, Sótão, Carvoeiro,
Portagem, Meimoa e outras. Aquelas praias foram erigidas em pequenos ribeiros.
No caso de Cardigos e porque podia comprometer o funcionamento durante a
estiagem, foi construída uma pequena represa em terra, reserva que vai
garantindo o pleno funcionamento da praia. Apesar de sazonais, vários postos de
trabalho emergiram, quer exercício do bar restaurante quer como nadadores salvadores,
num local deprimido em empregos. Sinalética á entrada do Fujaco, informando que
junto da antiga escola há parqueamento, capela e miradouro, potenciando aquele
local elevado donde se avistam as montanhas e vales, os meandros da estrada, o
casario em presépio. Muitos turistas, reclamam pela falta de informação depois
da visita. Incentivar proprietários na recuperação ou venda das casas em ruína.
Restauro dos moinhos e dos canastros, símbolos de interesse, e como forma de
respeitar os antecessores. Libertar no PDM espaços para construção de novas
casas, mais cómodas mas que respeitem a arquitetura local, nomeadamente paredes
e coberturas em xisto, no troço do limite urbano, desde a entrada na aldeia,
até aos limites da antiga escola.
Assiste-se
á proliferação no nosso Fujaco de espécies invasoras como: Háquia picante,
eucalipto, acácia, uva dos passarinhos, erva da fortuna, entre outras, e que
estão a alterar negativamente a paisagem.
Este
trabalho é dinâmico. Sempre que surgir quaisquer informação de importância sobre
a aldeia, editar-se-á. Estou de posse de mais dados, no entanto, necessitam de
algum trato.
A minha gratidão
aos que testemunharam este conhecimento e que futuramente se irá alistar.
José
Manuel Costa Amaral, 20 de Outubro de 2024