quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Lenda do moço do Mosteiro Cisterciense de Santa Maria de Maceira Dão




A lenda do moço do Mosteiro de Maceira Dão
 Havia neste Mosteiro um moço que, quando ia à povoação de Fornos, passava à porta de uma venda, que era um pequeno estabelecimento daquele tempo onde se vendia de tudo um pouco, e se encantava a olhar para a vendedeira que atendia os fregueses, cheia de simpatia e habilidade, proprietária da mesma venda.
Seu marido era um importante negociante de gado e quase sempre andava saído pelas feiras, comercializando. 
Sempre que o moço passava à porta da venda, se não visse ninguém, cumprimentava a bonita senhora e acrescentava:
- Que linda vendedeira. Dava tudo quanto me pedisse para estar com a senhora a sós um pedaço de tempo.
Ela fazia que não ouvia, não lhe dando troco. Mas, tanta vez ouviu as mesmas palavras, que a fiel esposa, decidiu contar ao marido, o que se estava a passar com o noviço.
O marido depois de ouvir atentamente o que a esposa lhe contava, disse-lhe:
Hó diabo! Diz-lhe que sim. Que podes estar com ele sexta-feira à noite, mas tem de trazer uma saquinha com duzentas libras em ouro.
Tu és tolo homem! Sabes o que estás a dizer? – Perguntou a fiel senhora.
Nisto responde o marido: Calma aí! Deixa-me acabar de falar.
Diz-lhe que sexta feira, ao anoitecer, saio para a feira de Coimbra com o criado e que ficas sozinha, e que venha só depois das onze horas da noite, para que ninguém na aldeia o possa ver.
 Mas o que pensas fazer ao pobre convencido? Perguntou-lhe a mulher.
O marido explicou: Quando ele chegar aqui, manda-o entrar e pedes-lhe logo as duzentas libras e vai arrecadá-las bem arrecadadas. Depois, manda-o entrar para o nosso quarto e diz-lhe que se vá despindo, e, quando acabar de tirar as roupas de fora, sem lhe dares tempo de tirar a roupa interior, dizes-lhe, com ar de muito aflita, que eu acabo de chegar e que se meta imediatamente debaixo da cama.
Nesse mesmo dia, ordenou ao criado que tirasse todo o estrume da loja dos bezerros e a enchesse de estrume verde, eram tojos que haviam sido roçados. Sem nada dizer do que se ía passar, abriu um alçapão no soalho do seu quarto, que ficava por cima da loja. No dia seguinte de manhã, lá estava de novo o moço a fazer algumas compras e a repetir a mesma lenga-lenga com os seus sorrisos conquistadores dirigidos à senhora. Foi então quando ela lhe disse baixinho, o que o marido lhe tinha ensinado. Ele, todo encantado da vida, lá foi para o mosteiro para regressar no dia seguinte que era sexta-feira. Aproximavam-se as onze horas da noite, quando ele bateu à porta da mulherzinha, ela lhe veio abrir a porta e o mandou entrar, como tinha prometido. Passou-lhe primeiro a saca com as duzentas libras e entrou de seguida. Diz-lhe a vendedeira:
Entre para o quarto e vá-se despindo, enquanto dou uma vista de olhos, a ver se alguém o viu entrar.
Deu-lhe algum tempo para tirar as roupas exteriores e logo correu para o quarto, dizendo:
O meu marido voltou. Meta-se, rápido, debaixo da cama. Então, o moço do mosteiro, apenas com ceroulas vestidas, enfiou-se com toda a pressa debaixo da cama, caindo de imediato pelo alçapão juntos dos bezerros, sobre os tojos, e ali ficou quietinho, sem sequer puder mugir.
Entretanto o marido falava para o criado, na rua, fingindo que estava a chegar, depois de terem desistido de ir à feira de Coimbra, dizendo:
Vai buscar umas faixas de palha para deitarmos aos animais, para passarem a noite sem berrar e assim conseguirmos dormir.
Os bezerros, que não eram nada mansos, iam dando marradas no corpo do infeliz conquistador. Enquanto o criado foi buscar a palha para a manjedoira, o patrão esperava-o à porta do curral com o lampião na mão para o alumiar. Ao abrirem a porta, viram o moço do convento, no estado em que ele se encontrava.
Disse instantaneamente o criado: ó patrão, estou a ver um fantasma.
O quê! Um fantasma em minha casa?
Entraram ambos ao mesmo tempo, pegaram no moço pelo braço e, sem dizerem qualquer palavra, ataram-lhe as mãos atrás das costas, colocaram-lhe um grande chocalho de um bode ao pescoço, e a cabeçada de um burro sobre os ombros, bem atada. Puseram-no na rua e mandaram-no embora naquele estado. Conforme corria pelas ruas para não ser reconhecido por alguém, o chocalho fazia um atropelo desgraçado que acordava todas as pessoas que dormiam naquela noite de Dezembro. Para poder entrar no Mosteiro, tinha de atravessar um nabal que lhe dava a possibilidade de ingressar, sem poder ser visto. Por azar, ao chegar ao nabal, começou por se atolar aqui e acolá, dificultando a sua caminhada. Dois homens andavam por ali, cada qual com seu saco, a roubar nabos. Para não ser detetado, ficou quietinho enquanto eles iam arrancando os nabos e amontoando junto do moço,  pensando tratar-se de um tronco de arvore, para posteriormente, tiraram a terra . Bateram com os nabos para sacudir a terra, tendo causado enorme barulheira, já que bateram no chocalho, assustando os dois compadres e os obrigou a fugirem dizendo um para o outro que era o diabo que ali estava por roubarem os nabos aos frades. Estes, conseguiram chegar a casa sem poderem falar, com tamanho susto. Só depois o moço entrou no mosteiro. No domingo de manhã, quando assistia a um convívio num dos largos da povoação, e onde todos os protagonistas se encontravam, o moço fez um apelo pedindo à pessoa que tinha em seu poder, uma saca com duzentas libras em ouro, o favor de lha devolver.
O marido da vendedeira ao ouvir aquela frase, disse:
 E eu peço à pessoa que lá tem o chocalho do meu bode e a cabeçada do meu burro, o favor de as levar a casa, porque temos contas a ajustar.
Os dois amigos do nabal, ao ouvirem tudo aquilo, compreenderam o mistério e disseram um para o outro:
E lá ficamos nós sem os nabos, a pensar que era o diabo.
Ao lado deles estavam umas velhotas que ao ouvirem falar do diabo disseram:
De sexta-feira amanhecendo para ontem, ninguém dormiu nesta terra, com o diabo que andou por aí à solta. Algumas pessoas foram à janela e viram-no passar. Tinha pernas brancas e uma cabeça como a de um burro e com um chocalho ao pescoço a fazer dlão… dlão… dlão….. e acordava o povo.
Lendas retiradas de:
“Barreiros, Leonel (1987). Gentes das terras do Dão: cultura popular. Edição do autor”

 

Sem comentários:

Enviar um comentário